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A Clínica é um Ringue de Luta, ou um Grande Teatro? Um ensaio sobre Estilo Terapêutico

Atualizado: 26 de dez. de 2022


Você também pode ouvir o conteúdo dessa postagem, se preferir:


Todo(a) psicoterapeuta tem uma missão principal em sua jornada: desenvolver um estilo pessoal. Cada um tem o seu, e não cabe comparar ou defender um modelo único. A diversidade de estilos é justamente o que torna a Psicologia e a psicoterapia tão interessantes! Em uma perspectiva fenomenológico-existencial, essa busca por um estilo pessoal é ainda mais necessária. Isso ocorre porque na ausência de uma teoria de base que guie a atuação clínica é preciso buscar a observância de atendimento a alguns critérios éticos (ethos) ou fundamentos filosóficos de modo criativo e autônomo. O grande mote da Psicologia fenomenológico-existencial é o retorno às coisas mesmas, e uma atuação compreensiva frente à existência.


Como essa perspectiva não se guia por diagnósticos ou roteiros, o(a) psicoterapeuta deve desenvolver seu próprio modo de ir às coisas mesmas e de compreender a existência. Compreender não é sinônimo de explicar, o que coloca o impeditivo de que nenhuma teorização deve ser construída no momento de atuação. Mas então o que guia o atendimento? Se não há diagnósticos ou roteiros, como planejar os atendimentos?


Embora não se guie por diagnósticos, a Psicologia fenomenológico-existencial busca aplacar o sofrimento, de modo que o norteador principal é a demanda. E o que seria uma demanda? Todo mundo tem uma queixa inicial, um motivo que levou a pessoa a buscar a psicoterapia e que gera algum grau de sofrimento. Afinal, ninguém busca terapia a esmo. Buscamos para aplacar alguma vivência em específico.


Essa demanda não é fixa, e pode mudar ao longo do tratamento. Mas sempre há um ponto de partida, e no momento inicial da terapia o que se busca é entender de maneira mais ampla as situações, comportamentos e sentidos em torno dessa demanda. E enquanto ganhamos entendimento sobre tudo isso, o(a) próprio(a) paciente adquire conhecimento sobre si, de modo a poder se apropriar e se fortalecer em seus próprios critérios e decisões.


Contudo, o modo como isso vai se desenrolar depende muito do estilo terapêutico de quem conduz o processo. E falando sobre estilo, Ana Feijoo, uma grande referência da Psicologia fenomenológico-existencial no Brasil, costuma dizer que não devemos limar nossos ângulos. Precisamos nos dilapidar, e não aparar as pontas. Limar os ângulos significa transformar um diamante bruto em uma mera bola de gude. Para que um diamante ganhe beleza seus ângulos precisam sobressair, e eles são definidos pela pedra bruta que deu origem à jóia.


Nesse aspecto, oferecer terapia e trabalhar como psicoterapeuta requer que nos dilapidemos. Mas não de modo a nos tornarmos apenas mais um(a) igual ao resto (bola de gude). Pelo contrário, devemos ganhar conhecimento sobre nossas próprias características (qualidades e defeitos), e desenvolvê-las de modo a beneficiar o(a) paciente.


O que posso dizer é que meu próprio estilo terapêutico tem muito a ver com duas figuras inclassificáveis: Kierkegaard e Bruce Lee. A princípio parece um disparate agrupar duas pessoas tão distintas ao falar sobre isso. Mas irei me explicar...


Bruce Lee, nome artístico de Lee Jun-Fan, foi um grande ator e artista marcial chinês. No campo das artes marciais, Bruce Lee foi o fundador do chamado Jeet Kune Do. O Jeet Kune Do ("O modo de interceptar o punho") é um estilo de luta que mistura elementos de Kung Fu, Karate, Judo, e outras artes marciais, tentando verificar o que funciona para cada pessoa, adotando as melhores práticas e abandonando as que não funcionam. Bruce Lee costumava descrever o Jeet Kune Do como um "desespero organizado", e dizia:


“Se sua vida está ameaçada, você não para e pensa: Deixe-me ver se minha mão está na posição correta, ao lado do meu quadril, ou se meu estilo é O ESTILO. Então, por que a dualidade?”


Mas, ao propor esse novo estilo de luta, desagradou profundamente grandes mestres do Kung Fu chinês. Conta-se que o ódio era tanto que Bruce Lee mal podia andar na rua sem ser convocado para um duelo. Esses grandes mestres criticavam Bruce Lee acusando-o de ter abandonado os fundamentos filosóficos que guiavam o ensinamento das artes marciais, como se Bruce tivesse aplicado um certo utilitarismo ao Kung Fu.


Eles não podiam estar mais enganados... Pois o fundamento filosófico do Jeet Kune Do é sua maior força. Esse fundamento é, precisamente, o anti-dogmatismo, que é a base do inconformismo frente ao "sempre foi assim" ou "sempre se fez desse jeito". A abordagem filosófica do Jeet Kune Do é o mais importante do sistema, já que ele não se limita a conjuntos de movimentos. Para Lee, o Jeet Kune Do se desenvolve diferentemente em cada tipo de lutador, porque as pessoas são igualmente diferentes, e não possuem as mesmas características físicas e psicológicas. A “liberdade de expressão” era para ele fundamental dentro de uma luta, e acreditava que um sistema marcial restrito, ou um conjunto de movimentos limitava a habilidade de resposta do lutador, que deve ser completa. O lutador eficaz deveria ser capaz de responder a qualquer tipo de situação.


Sobre isso, Bruce Lee disse em uma entrevista: "Seja como a água, meu amigo!"

Bruce Lee utiliza a água como uma analogia para a adaptabilidade. Para ele, devemos ser como a água: não ter formato fixo e nos adaptarmos a qualquer situação. Essa é a base filosófica do Jet Kune Do, que compreende que não há um caminho fixo para o aprendizado, mas que ele se efetiva na busca e no próprio caminhar.


Quem conhece Kierkegaard deve ter notado a similaridade de ideias com o Jeet Kune Do. Em primeiro lugar, Kierkegaard também era um anti-dogmático, pois centrava sua batalha contra os grandes sistemas filosóficos do idealismo alemão (Hegel, Kant, etc). Mas, para além disso, a similaridade encontra-se na maior contribuição de Kierkegaard para a psicoterapia: a comunicação indireta.


Toda a "terceira força em Psicologia" nasce em contraposição à Psicanálise e o Comportamentalismo, e adota a não-diretividade como modo de atuação em oposição às intervenções realizadas de modo ativo. Não-diretividade significa o não-confronto, de modo que entende que a clínica não é um ringue de luta. A psicoterapia não é um lugar para competição ou embate. O(a) terapeuta deve ser compreensivo e evitar embates desnecessários.


Com isso, parece que Kierkegaard e Bruce Lee seguem caminhos opostos. Mas não é verdade. A comunicação indireta de Kierkegaard se efetiva "indo até onde o outro se encontra", e isso requer a adaptabilidade. "Seja como a água, meu amigo!" diria Bruce Lee para o(a) terapeuta iniciante.


No lugar do campo de batalha, podemos entender que a terapia é um grande teatro. Mas não porque estamos simplesmente atuando. É um teatro porque estamos ali como coadjuvantes, e não protagonistas, nos adaptando à peça e criando situações para que a pessoa atendida (essa sim a protagonista) possa "brilhar".


Em Kierkegaard, esse teatro é um teatro de marionetes, já que ele utilizava diversos pseudônimos para ir até onde seu leitor se encontrava, e falar a partir dos critérios e valores do leitor. Assim também é na psicoterapia. Devemos entender o que está em jogo para cada pessoa, nos adaptar, e partir de onde ela se encontra. Esse é o modo de atuação mais efetivo. Não porque seja "eficaz", como diz a ciência moderna. Mas porque é rigoroso, já que tem o rigor de buscar respostas e fundamentos na própria existência.


Essa discussão também está presente nas seguintes plataformas:

 
 
 

4 comentários


Paulo Braga
Paulo Braga
27 de nov. de 2022

Muito superficialmente: Kierkegaard foi um anti-dogmático bastante imperfeito, já que não repudiou certa doutrina, esmagadoramente dogmática, nos seus escritos "sérios". Por isso, é preciso lê-lo com filtro ligado para remover os ostinati que, a todo momento, tendem a poluir sua escrita - bem verdade que não é o único grande pensador que requer tal esforço adicional. Na analogia do teatro, o terapeuta* não faria mais o papel do crítico, ao observar com atenção e, baseado na sua crescente experiência e capacidade de reconhecer a evolução dos estilos, poder refinar a atenção para entender melhor os motivos pelos quais aquela personagem/autora preferiu escrever como o fez?

Contraditoriamente, a água - em geral - se faz elemento de desconstrução justamente quando, em torrente, altera…

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Victor Portavales Silva
Victor Portavales Silva
28 de nov. de 2022
Respondendo a

É uma boa etimologia... Mas "explicar" ainda recai no que Dilthey nomeou como uma "ciência explicativa", que ainda se pretende noções de causalidade. Buscamos "compreender" mais que "explicar". Agora, no sentido de distinguir ou separar se aplica bem... Se for nesse sentido, então há um caminho e uma aproximação a serem explorados.

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