A neurociência irá substituir a psicologia?
- Victor Portavales Silva
- 23 de jan. de 2024
- 3 min de leitura
Em entrevista recente Neil deGrasse Tyson, astrofísico e divulgador científico americano, afirmou que em breve a neurociência irá substituir a psicologia, assim como a química substituiu a alquimia. Complementou, ainda, dizendo sentir-se ansioso para que isso ocorra o mais rápido possível. Mas será mesmo plausível que sejamos completamente decompostos em neurotransmissores e redes neuronais?
Podemos propor uma analogia com o campo da informática: faria sentido afirmar que analistas de sistemas e desenvolvedores de software possam ser substituídos por engenheiros de hardware? Obviamente se tratam de domínios completamente distintos, ainda que façam parte do campo da computação e estejam interligados. Enquanto os primeiros trabalham em um domínio focado no software, os últimos direcionam seus esforços para o melhor funcionamento do hardware. E embora seja possível descrever as micro-operações executadas diretamente nos chips, dificilmente alguém conseguiria traduzi-las em um programa complexo, entender de fato a lógica de alto nível.
O mesmo parece ocorrer com a ênfase fisicalista das neurociências. Elas são capazes de explicar fenômenos dentro de seu próprio domínio, mas ainda encontram-se distantes da capacidade de explicar e alterar comportamentos complexos. Mesmo a psiquiatria parece estar ainda em um estágio bastante artesanal apesar dos achados das neurociências e da indústria farmacológica. Basta notar que ainda desconhecemos os efeitos difusos das medicações psicotrópicas, que são utilizadas para uma vasta gama de transtornos e sintomas distintos.
Nesse sentido, nosso argumento se configura em que a psicologia pode se valer das neurociências, mas dificilmente seria substituída por elas. O estudo do comportamento e das interações humanas requer o uso de métodos e analogias específicas para dar conta da complexidade de seus problemas. Um analista do comportamento não necessita descrever condicionamento operante em termos de neurotransmissores para criar uma intervenção eficaz, assim como um fenomenólogo pode utilizar uma descrição subjetiva do mundo vivido sem a necessidade de fazer menções ao sistema nervoso central.
Ao ler a incursão de Neil deGrasse Tyson em um terreno que ele não domina, o das ciências humanas, vêm-nos à memória exemplos contrários, de psicólogos(as) que insistem em buscar inspiração na física quântica e acabam colocando os pés pelas mãos. É comum que esses(as) profissionais sejam tão rechaçados(as) quanto coachs quânticos e outras pseudociências, mas o mesmo não parece ocorrer quando um físico esbarra em suas próprias limitações fora de seu campo de conhecimento.
Alan Sokal foi um dos que se dedicaram a alertar para o risco do mau uso de conhecimentos das ciências naturais por pesquisadores das ciências humanas. Em seu livro Imposturas Intelectuais ele tece críticas por exemplo a Jacques Lacan, proeminente psicanalista que insistiu em incorporar elementos da topologia em suas teorias sobre o inconsciente, porém sem o devido rigor. Não seria então um momento oportuno para inverter a lógica, e averiguar a opinião de pesquisadores das ciências naturais sobre assuntos de ordem da psicologia, sociologia, economia, educação e demais áreas fora de seus campos de conhecimento?
A grande questão é: o que autoriza um astrofísico a ditar os rumos de uma ciência perante a qual ele possui pouco ou nenhum conhecimento? Após séculos, ainda parecemos estar sob influência de uma visão extremamente positivista das ciências, como se houvesse uma escala ou hierarquia a partir da qual um conhecimento passa a explicar o outro. Essa lógica foi sintetizada por Auguste Comte no Séc. XIX, mas caiu por terra para quem já estudou um pouco de epistemologia. A física não é capaz de explicar completamente a química, que não é capaz de explicar a biologia, que não é capaz de explicar totalmente a psicologia. E provavelmente nenhum avanço será capaz de unificar distintos campos da ciência. Mesmo a física ainda convive com teorias distintas para explicar o microcosmo e o macrocosmo.
Então para quem, assim como Neil, aguarda ansiosamente pela substituição da psicologia pelas neurociências, minha recomendação é esperar sentado. Dificilmente encontraremos respostas simples e remédios eficazes para moldar o comportamento humano.
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