O Diagnóstico é Realmente Útil na Clínica Psicológica?
- Victor Portavales Silva
- 29 de nov. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 26 de dez. de 2022

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A pergunta que coloco a vocês é simples, mas difícil de ser respondida: "O diagnóstico é realmente útil na clínica psicológica?" Sem sombra de dúvidas, o diagnóstico é uma ferramenta capaz de guiar a atividade clínica. Mas cabe refletir: ele é absoluto? Penso que um diagnóstico pode ser tanto uma prisão quanto uma libertação, a depender do contexto... Eu já atendi diversas pessoas que traziam diagnósticos de experiências passadas, e tantas outras que poderiam ser facilmente enquadradas nos critérios diagnósticos de alguns quadros psicopatológicos. Mas nunca é tão simples.
Desde o DSM-III, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos mentais pode ser considerado fenomenológico. Isso é polêmico, mas explico o argumento: Foi justamente no DSM-III que houve o abandono da noção de etiologia nos transtornos mentais. Ou seja, a causa deixou de ser importante, cabendo apenas agrupar as diversas sintomatologias. Mas é preciso detalhar de que fenomenologia estou falando. Afinal, não existe uma única fenomenologia mas diversas propostas e métodos fenomenológicos.
O DSM só pode ser considerado fenomenológico em termos descritos. A fenomenologia descritiva fornece ferramentas suficientes para identificação das essências eidéticas de cada quadro. Contudo, não podemos dizer que o DSM é fenomenológico em termos da fenomenologia-existencial. Isso porque essa tradição é fortemente influenciada pela discussão de autores como Kierkegaard, Heidegger e Sartre, o que impõe a necessidade de abandono de qualquer teorização sobre a existência humana.
Mesmo sem partir de uma teoria de base, mesmo sem partir de uma etiologia, a própria ideia de um diagnóstico pressupõe a necessidade de uma categorização ou agrupamento da existência humana. E fazer isso é tomar o todo pela parte, é fechar os olhos para as singularidades e as experiências individuais. Não existe uma única depressão, mas diversas manifestações depressivas que possuem algo em comum. E cabe sempre atentar para a vivência concreta do transtorno.
Voltando à clínica, o que posso dizer é que já tive experiências das mais diversas. Já atendi pessoas que buscavam um diagnóstico como uma tentativa de encontrar uma justificativa para suas vivências. Outras, ao se deparar com sintomas, acabavam sentindo-se aprisionadas pelo caráter prescritivo do diagnóstico. Havia também aquelas que encontravam no diagnóstico uma forma de libertação, uma identidade que lhes pudesse conferir um meio para existir de maneira mais plena. E há sempre quem utilize o diagnóstico como uma ferramenta de autoconhecimento e autodescoberta.
Contudo, nunca é possível saber de antemão. Sendo assim, cabe ao terapeuta ou à terapeuta avaliar a necessidade, os benefícios e os malefícios de estabelecer um diagnóstico e/ou compartilhá-lo com a pessoa atendida. Isso não resulta em nenhuma falta de rigor. Pelo contrário... Embora o diagnóstico seja útil, a fenomenologia-existencial não se guia pelo caráter instrumental da utilidade. Não somos utilitaristas ou pragmatistas, somos fenomenólogos.
E, como tal, cabe a nós estabelecer o rigor fundamentando-se em outros critérios. Mas então qual seria o balizador da atividade clínica? Essa é uma pergunta pertinente, que você pode estar se fazendo nesse momento. E posso respondê-la de maneira simples: Toda pessoa que busca atendimento tem uma demanda. A psicoterapia sempre parte de uma queixa.
Desse modo, muito mais importante do que qualquer diagnóstico, é reconhecer e acolher a queixa, tentar compreender as fontes e os motivos do sofrimento, e mapear os sentidos em jogo em torno da demanda. Não para que o(a) terapeuta saiba, mas para que a própria pessoa que buscou ajuda possa apropriar-se de si.
Sobre isso, Kierkegaard nos oferece uma imagem muito bela. Ele fala da transparência que pode ser alcançada pelo diálogo interior, utilizando a seguinte metáfora: Para ser considerado transparente, um lago deve ter clareza e limpidez, mas também profundidade. Assim também é o coração humano, para Kierkegaard. Dessa maneira, a escuta terapêutica não se estabelece como uma investigação, porque o que ela busca não é algo que cabe ao terapeuta saber. Quem deve tomar ciência é a própria pessoa que fala, porque falar alto é a atividade mais reflexiva. E quando utilizo o termo reflexiva, já acrescendo à atividade um duplo sentido: é pensamento mas também reflexo. Falar sobre si é olhar para si mesmo, e nisso consiste a clínica.
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