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Resenha Fenô: Batman - O Cavaleiro da Burguesia Ressurge (2012)

Atualizado: 25 de fev. de 2023


A resenha a seguir foi escrita por Victor Portavales Silva e Guilherme Gonçalves de Paiva em conjunto. Esperamos que gostem da análise do filme.


Se preferir, você pode também ouvir/assistir a versão em vídeo dessa resenha, na postagem que fizemos no YouTube:




Pode-se dizer que, em termos técnicos e estéticos, Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012) é um bom filme. Contudo, o entretenimento que ele propicia esconde um tipo de propaganda bastante comum em Hollywood.A ideia propagada é a do "sonho americano", no qual tudo pode ser resolvido com liberdade e trabalho duro, de modo que o Estado deve interferir pouco na economia, já que a narrativa apresenta o governo como falho, em contraposição à ação individual. Temos então a indústria dos filmes à serviço do Governo Americano, e explicamos o porquê a seguir.

Por um lado, o longa-metragem fala sobre a volta à ativa de um Batman deprimido e com dificuldades financeiras. Por outro, atrela a vida de Gotham ao próprio bem-estar do Homem-morcego. Isso é algo sintomático, pois evidencia a noção do homem de negócios e do bilionário como alguém que promove o progresso, e então sua ruína se configura também como a ruína do local em que vive. Devemos lembrar que esse filme é a sequência de Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008), que termina com o homem-morcego na posição de mártir, assumindo os crimes e assassinatos de Harvey Dent (O duas-caras) para preservar a memória e o legado do promotor. Dessa forma, temos no filme de 2012 uma história sobre redenção e superação, em que Bruce Wayne, além de lidar com um passado que não é seu, precisa encarar, no presente, novos vilões e salvar a cidade mais uma vez.


O ano de 2012 foi marcado por algumas mortes. De um lado, a captura de Osama Bin Laden pôs fim à caça pelo líder da Al Qaeda, que ocorreu em um momento conturbado no Oriente Médio, que passava pela Primavera Árabe desde 2010. Por outro lado, a morte de Steve Jobs incitou toda uma mitologia em torno do executivo da Apple, e iniciou um movimento de culto a bilionários como Bill Gates, Warren Buffet, Jeff Bezos e Elon Musk. O mundo estava mudando, e o Governo Americano buscava uma forma de controlar o curso dos acontecimentos. Nesse contexto, a indústria de filmes hollywoodiana se pôs a serviço dos interesses de seu governo.



Devemos lembrar também que 2011, anterior ao lançamento do filme, foi o ano de início do movimento que ficou conhecido pelo nome Occupy Wall Street. A crise econômica de 2008 ainda reverberava pelo mundo, e nenhum dos executivos envolvidos foi punido, nenhum dos bancos que brincaram com a economia mundial fechou suas portas, e poucas mudanças ocorreram no mercado financeiro americano. Foi nesse contexto que surgiu um movimento global de reinvindicações que buscou liberdade no norte da África e a luta pelo fim das desigualdades nas cidades que abrigavam os maiores mercados financeiros do mundo. E Wall Street foi tomada, então, por um movimento de massas espontâneo e popular, que clamava por mudanças nas regulações do sistema bancário e de investimento, com vistas à redução do abismo social e da concentração de renda promovida pelo capitalismo. Em meio a esse movimento, estavam presentes ideologias comunistas, libertárias e anarquistas.


Parece-nos claro, então, que a representação do vilão Bane, promovida pelo filme de Nolan, como um líder revolucionário de tendências anarquistas não ocorreu por mero acaso. Essas características nunca estiveram presentes nas HQs que inspiraram o filme. Bane sempre foi um vilão marcado pelo comportamento caótico e errante, embora sempre descrito como tendo uma inteligência aguçada. Ao fã dos quadrinhos, salta aos olhos a diferença de personalidade apresentada no filme. O primeiro ato terrorista de Bane é falir as empresas Wayne, e, com isso, toda a cidade de Gotham. Através de uma fraude, o vilão derruba todo o sistema financeiro da cidade, causando grande alvoroço. Ora, mas não seria justamente esse o clamor entoado pelo Occupy Wall Street? Bem, o que o filme apresenta na sequência parece tentar convencer os manifestantes do horror que pode ser perpetrado por seu próprio movimento.


Bane utiliza as indústrias Wayne para plantar uma bomba na cidade, quebra todas as pontes que ligam a ilha ao continente, e anuncia o fim do governo e a libertação de todos os presos. O vilão parece incorporar a ideologia pregada por Pierre-Joseph Proudhon, que disse em um de seus textos: “Leis, nós sabemos o que elas são, e o que elas valem! Teias de aranha para o rico e poderoso, cadeias de aço para o pobre e fraco, redes de pesca nas mãos do governo.” E então é contra o governo que Bane dispara suas armas. Ao contrário do vilão comum, caracterizado como um déspota e um ditador, aqui temos um vilão que quer apenas devolver o poder às mãos do povo.


Contudo, o filme apresenta os resultados dessa “revolução” de maneira tendenciosa: tribunais populares, vingança, manifestações de ressentimento e as mais terríveis injustiças passam a ocorrer na cidade que vivia anteriormente um estado de ordem. Para piorar a situação, Batman, o único herói que poderia fazer frente a essa calamidade, é ferido e levado a uma longínqua prisão. Gotham passa então por meses de desordem e violência. Enquanto isso, Mulher-Gato e Robin apenas sobrevivem e resolvem pequenos conflitos, sem conseguir enfrentar Bane diretamente.


Nolan e seu irmão, diretor e roteirista do filme, respectivamente, caracterizam o anarquismo como a barbárie. Ambos parecem desconhecer os escritos de Bakunin, que argumentava: “Todos os revolucionários, os oprimidos, os sofredores vítimas da atual organização da sociedade e cujos corações estão naturalmente cheios de vingança e de ódio devem lembrar-se de que os reis, os opressores de toda espécie são tão culpados quanto os criminosos saídos da massa popular: eles são malfeitores mas não culpados, pois são, como os criminosos comuns, produtos involuntários da atual organização da sociedade.” Eles parecem não entender que a sociedade buscada pelos anarquistas não é um estado de desordem, mas a pura ordem na forma de igualdade. Para eles, assim como para Claude Frederick Bastiat, “a lei não é o refúgio do oprimido, mas a arma do opressor.” E toda a legislação moderna se pauta na noção de propriedade privada, considerada um roubo e uma usurpação para Proudhon. Pois como nos diz Kropotkin: “Cada descoberta, cada progresso, cada aumento da riqueza da humanidade tem o seu princípio no conjunto do trabalho manual e cerebral do passado e do presente. Logo, com que direito poderia alguém apossar-se da menor parcela desse imenso patrimônio e dizer: ‘Isto é meu, não é vosso?’ ”


Entretanto o filme insiste em caracterizar o anarquismo e o líder anarquista como desordeiros, como niilistas que buscam o fim da humanidade através do caos espontâneo. Frente a essa ameaça, apenas um bilionário como Bruce Wayne pode resolver o problema. Por meio de sua ação individual ele supera suas próprias mazelas, para então resolver as mazelas sociais. O indivíduo supera o coletivo, na narrativa de Hollywood, que é também a narrativa do Governo dos EUA. Batman supera seu próprio corpo, cura um dano em sua coluna vertebral através de sua vontade e ação individual. Então retorna para a cidade, elabora um plano mirabolante, e vence o vilão com a ajuda da Mulher-Gato e de Robin. Como se não bastasse, ele decide abandonar sua fortuna, deixando metade para o mordomo Alfred, e metade para o orfanato onde Robin cresceu. O filme termina convocando o mito do bilionário filantropo, que não possui amparo na realidade material, apenas para caracterizar Batman como um super-herói a serviço da burguesia e do capitalismo. Bruce Wayne seria então o maior dos mártires, que abre mão de sua fortuna e de sua posição de privilégio para restaurar uma democracia burguesa, supostamente melhor que o estado de anarquia promovido por Bane. A fantasia não para por aí, pois Bruce Wayne e Selina Kyle (A mulher-gato), são vistos por Alfred em um café italiano. Mas ninguém se pergunta: Com que dinheiro? As custas do trabalho de quem?


Ainda que involuntariamente, o filme dá provas da prepotência dos bilionários, que ao terem acesso a tecnologias e recursos inalcançáveis para o resto da população ou até mesmo do Estado, empregam essas tecnologias livremente, a seu bel prazer, julgando se outras pessoas e o governo são dignos ou não do uso dos mesmos. Ou seja, o próprio Batman é apresentado como um juiz não oficial, em uma romantização do abuso de poder de agentes financeiros na sociedade. Isso nos lembra muito os pequenos empresários de localidades mais carentes, que se iludem com o seu poder financeiro um pouco acima do restante da população, e passam a achar que conseguem resolver problemas sistêmicos com ações individuais.


O interessante é que Bane parece ser inspirado especialmente em anarquistas que praticavam ilegalidades como roubos ou ações fora da lei, como um ato de revolta contra a opressão de sua época, como Ravachol. A bomba plantada por Bane para explodir a cidade, fabricada pelas indústrias Wayne, surge como uma analogia com os ataques a bombas que os anarquistas promoveram durante as primeiras décadas do século XX. O mais famoso destes atos foi o executado por Gavrilo Princip contra o Arquiduque Francisco Ferdinando. Olhar por uma perspectiva meramente moral pode tornar Ravachol ou Princip pessoas extremistas, mas cabe perguntar: a única violência válida é a do Estado? Porque a violência só serve quando aplicada às camadas populares e não à Burguesia? Isso é um ponto importante e que corrobora com a noção de Estado como instrumento de opressão de classe, como proposta por Marx, em que os burgueses podem recorrer ao Estado sempre que sua propriedade privada ou outros privilégios forem ameaçados.


Bane e seus capangas são apresentados como corruptores da integridade dos valores republicanos e o discurso antissistema fica só no contraste com a violência promovida pelo mesmo. Isso enviesa a interpretação do espectador para que o mesmo ache que uma população revoltada só produz destruição, e que o anarquismo é sinônimo disso. Isso vai na contramão do que anarquistas advogam, que gira em torno de uma proposta radical que se pauta na potencialidade da humanidade enquanto seres sociais, capaz de construir relações sociais sem mediações das instituições estatais, e da ideia de que somos capazes de atender nossas demandas e resolver nossos impasses através de dinâmicas de relações horizontais.


Ao final do filme, para alguém que possui um olhar menos crítico, resta apenas um sentimento de decepção com as instituições e a perspectiva de que os indivíduos só podem contar consigo ou esperar a ação de alguém benevolente. O problema não é o sistema capitalista, nem as instituições e outras formas de organização da sociedade, mas a ação de criminosos e seres dotados de grande maldade em si. Dentro de sua própria narrativa, o filme afasta a possibilidade de qualquer questionamento ao sistema produtivo ou ao modo de relação vigente, marcado por trocas comerciais e um individualismo extremado.


Para que se possa compreender o filme para além de seu próprio roteiro, o que inclui o caráter despolitizante de sua narrativa, é preciso lembrar das seguintes palavras de Bakunin:


“A revolta é um instinto da vida; até mesmo o verme se revolta contra o pé que o esmaga, e pode-se dizer que, em geral, a energia vital e a dignidade comparativa de todo animal se compara à intensidade do instinto de revolta que ele traz em si. No mundo selvagem, bem como no mundo humano, não há faculdade ou hábito mais degradante, mais estúpido e mais covarde do que obedecer e resignar-se.”


Para só então podermos compreender a proposta anarquista tal como entendida por Errico Malatesta:


“Desejamos abolir de forma radical a dominação e a exploração do homem pelo homem. Queremos que os homens, unidos fraternalmente por uma solidariedade consciente, cooperem de modo voluntário com o bem-estar de todos. Queremos que a sociedade seja constituída com o objetivo de fornecer a todos os meios de alcançar igual bem-estar possível, o maior desenvolvimento possível, moral e material. Desejamos para todos pão, liberdade, amor e saber. Para isso, estimamos necessário que os meios de produção estejam a disposição de todos e que nenhum homem, ou grupo de homens, possa obrigar outras a obedecerem a sua vontade, nem exercer sua influência de outro senão pela argumentação e pelo exemplo. Em consequência: expropriação dos detentores do solo e do capital em proveito de todos e abolição do governo. Enquanto se espera: propaganda do ideal; organização das forças populares; combate contínuo, pacífico ou violento, segundo as circunstâncias, contra o governo e contra os proprietários, para conquistar o máximo possível de liberdade e bem-estar para todos.”


Dessa forma, compreendemos que Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012) é uma obra a serviço de seu tempo: a mais pura propaganda antirrevolucionária a serviço da Burguesia. Mas um olhar crítico pode tornar possível compreendê-la para além de nosso tempo, a partir da perspectiva dos tempos vindouros. Porque, em uma perspectiva revolucionária, talvez seja necessário destruir o presente para construir o futuro. Se não o presente em sua totalidade, ao menos algumas velhas instituições necessitam ruir para dar lugar a algo novo.





 
 
 

2 Comments


Paulo Braga
Paulo Braga
Feb 22, 2023

Todo super-herói é, por construção, paladino das classes dominantes. O método de ação deles é sempre bem similar ao dos deuses (na época em que eles ainda se ocupavam com a humanidade): relâmpagos, trovões, destruição imediata e implacável do inimigo (dos deuses). Foi também interessante evocar alguns dos anarquistas importantes, esquecidos por um lado, por outro vítimas da ambiguidade semântica: nem um deles pretendia instalar o "caos", que se tornou, perversamente, sinônimo de "anarquia". Só um pormenor, talvez importante: seria a "burguesia", seriam sequer as "elites" atualmente? Tudo indica que a população introjetou o projeto de dominação dos que a dominam.


Vejamos os dados das eleições de 2022:

- opositores diretos da excrecência: 60.345.999 - apoiadores diretos da excrecência: 58.206.354 (gostaram do que viram ao…


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Replying to

Grande parte da população é apenas massa de manobra de alguns poucos, isso não mudou...


A pergunta mais importante é: ainda é possível reverter a situação atual apenas no voto? Penso que a eleição de Lula é um pequeno alento, mas ainda muito pequeno. E pouco irá mudar, efetivamente.


O rombo de 40 bilhões não irá gerar qualquer mudança no sistema bancário e nas bolsas.


Então penso que é o momento de cultivar uma ética revolucionária, seja ela anarquista ou comunista. Ambas são melhores que a ética liberal que nos corrompe cotidianamente.

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