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Resenha Fenô: Orphaned Land - Mabool (2004)


Mabool - The Story of the Three Sons of Seven (2004) é um disco de metal progressivo da banda israelense Orphaned Land. O nome da banda já dá o tom das discussões presentes em seus discos, pois pode ser traduzido como "terra dos órfãos", ou "terra tornanda órfã". O contexto da guerra entre Israel e Palestina é pano de fundo para profundas discussões religiosas, filosóficas e existenciais. E Mabool é justamente o disco que narra o surgimento das chamadas religiões abraâmicas no ocidente. Estou falando do judaismo, do cristianismo e do islamismo. Todas as três têm em comum uma origem única em Abraão, mas cada uma delas clama para si a herança de única religião monoteísta "correta". O que Orphaned Land propõe, então, é colocá-las em diálogo e construir uma narrativa mitológica para o surgimento e separação de cada uma delas.


Um dos discos mais recentes da banda, chamado All is One, tem como capa um símbolo que une a estrela de Davi, a cruz de Cristo e a lua crescente do islã. Se em Mabool temos uma narrativa sobre o surgimento e separação das três religiões, em All is One temos uma reunião ou, ao menos, a proposição de um diálogo entre as três religiões. E é totalmente compreensível que essa temática seja cara, e um tema de preocupação, para uma banda Israelense. A explosão de bombas e mísseis, a intolerância, a violência entre nações, são acontecimentos cotidianos para Israelenses e Palestinos. E Orphaned Land busca, através da música, compreender as desavenças e superá-las. É uma caso em que a situação hermenêutica, por assim dizer, ou seja, o contexto regional, influencia totalmente o resultado da obra. O que temos como produto final é algo que só poderia ser produzido no contexto israelense, e apenas por pessoas com uma sensibilidade ímpar, como é o caso da banda.


O álbum Mabool se inicia com uma música intitulada Birth of the Three (The unification), que narra o nascimento das três religiões mencionadas. Os primeiros versos dizem que "o sétimo teve sete descendentes, que se dividiram em três, cada um deles recebeu seus símbolos, e cada um possuía a face de um animal: a cobra, a águia e o leão". E então se inicia uma uma imbricada narrativa imersa na simbologia do judaísmo, do cristianismo e do islamismo. Seguindo o fio da história contada na música, os três foram proibidos de se reunir (reunificar), pelo temor ao poder que concentrariam caso estivessem unidos. Essa seria a origem da desunião e de todos os desentendimentos, o fato de que, no início, todas eram apenas um.


Em seguida, temos a música Ocean Land (Revelation), que é uma versão reduzida da narrativa bíblica do dilúvio. A água vem para cobrir todos os pecados da Terra, e então "vemos um oceano onde havia terra. Nessa terra onde o homem nasceu haverá apenas um trono de água. Tudo aquilo o que era mágico e lindo terá se esvaído. Todas as conquistas humanas, apenas um sobrará. A areia na ampulheta se move tão rápido, alguém diminua sua velocidade. E nada daquilo que o homem batalhou para conquistar restará, nessa terra de oceano."


Após o dilúvio, o beijo da Babilônia. The Kiss of Babylon (The Sins) conta com o pecado se instaurou novamente no mundo após ele ser varrido pela água. A marca de Cain seria a herança presente em todos nós, que nos mostra nossa história de pecado e desvio. Na sequência, A'salk se apresenta como um lamento e um pedido: "Oh Deus, por que me torturas?"


Halo Dies (The Wrath of Gods), a quinta música do álbum, é talvez a mais famosa da banda Orphaned Land. A melodia animada e o instrumental impecável são pano de fundo para um questionamento que se inicia com uma citação bíblia. A letra diz:


Father thou art in heaven
Thy kingdom cried hallow lives
The sacred halo dies

You defied and turned your back
Upon our lord of wrath
All faith you lack
You walk (upon) this beaten path


E o que permanece como impressão ao ouvir a música é a sensação de abandono perante a Deus. A música seguinte, A Call to Awake (The Quest), é uma resposta a esse abandono, e um chamado à ação. Diante do abandono, algo necessita ser feito. E então a sétima música, Building the Ark, narra a construção de uma arca para enfrentar um novo dilúvio.


Nora el Nora (Entering the Ark) é o cântico entoado na entrada da arca, e The Calm Before the Flood é uma música instrumental que simboliza os momentos que antecedem esse novo dilúvio. Mabool (The Flood), a décima música do álbum, fala sobre a necessidade desse novo dilúvio como única forma de combater os males dos homens, e The Storm Still Rages inside desloca a discussão para um campo mais subjetivo, para o fato de que há também uma tempestade interior em curso.


Rainbow (The Resurrection) é a música instrumental que fecha o álbum de maneira cíclica. Um novo começo dentro dessa roda de criação e destruição contínua. A mensagem que o álbum parece querer comunicar fala sobre esse ciclo de morte e ressurreição, da necessidade de se poder morrer para renascer.


Em Doença para a Morte (1849), também traduzido como O Desespero Humano, Kierkegaard descreve o desespero como o maior dos pecados. O desespero é, segundo ele, uma doença mortal e uma doença da qual não se morre, ou seja, que consiste justamente em não poder morrer. Kierkegaard diz: "Salvar-nos dessa doença, nem a morte o pode, pois aqui a doença, com o seu sofrimento e... a morte, é não poder morrer." A cura para o desespero, e a consequente resolução do pecado, consistiria justamente em uma aceitação plena e incondicional da vida tal como ela, com sua dimensão de mortalidade e finitude: "Eis a fórmula que descreve o estado do eu, quando deste se extirpa completamente o desespero: orientando-se para si próprio, querendo ser ele próprio, o eu mergulha, através da sua própria transparência, até ao poder que o criou."


Não sei ao certo se os membros da banda Orphaned Land tiveram contato com a obra de Kierkegaard, mas parece-me que chegaram a conclusões parecidas. A superação dos conflitos só pode ser alcançada quando assumimos nossa própria finitude, nosso caráter de meros mortais. Só quando podemos efetivamente morrer é que estamos prontos para renascer. Essa é a lição de Kierkegaard, e também de Mabool.


 
 
 

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