Tatuagens: Expressão ou Ressignificação?
- Victor Portavales Silva
- 6 de abr. de 2024
- 3 min de leitura

Em 2018 eu fiz minha primeira tatuagem. Desde então foram várias tinturas na pele, com diferentes significados. Mas hoje vou falar especificamente das tatuagens do meu braço esquerdo. Ao total foram 3 sessões, em diferentes anos, totalizando cerca de 30h de agulhadas. Em 2017 eu passei três meses no internado no hospital, resultado de ações que me fizeram perder a perna esquerda (amputação), ser entubado, fazer uma traqueostomia, passar alguns meses com colar cervical e passar bastante tempo sedado. Essa história é longa, e em breve será publicada em forma de livro pela Edições IFEN. Deixo essa história pra depois, e hoje me concentro nas tatuagens e seus significados. Certo dia, durante meu doutorado na UERJ, uma professora psicanalista perguntou à turma (toda rabiscada), porque pintávamos nossa pele com as tatuagens. Acho que esse texto dá uma explicação breve dos possíveis significados que esse ato pode conter.
Essa foi a primeira tatuagem, com arte feita pelo Rapha Lopes. A ideia inicial foi representar algumas imagens e momentos vivenciados durante a internação. Eu passei bastante tempo sedado, algumas semanas com febre, e muitos dias tomando medicações pesadas. Tudo isso contribuiu para uma série de visões místicas que remetiam à cultura oriental. Em alguns momentos, sonhava com samurais e katanas, violência e sangue. Em outros, simplesmente me desconectava da realidade e do ambiente que me cercava. Analgésicos poderosos auxiliaram meu processo de "iluminação". Coloco entre aspas porque na verdade o que senti foi uma completa apatia diante dos procedimentos médico-hospitalares e da longa estadia na UTI. A imagem de Buda, os padrões geométricos, a palma da mão com o olho, tudo isso resume um pouco as viagens lisérgico-medicamentosas que tive durante esse período. Simplesmente era algo que eu não podia esquecer, então tratei de tatuar em um local bem à vista. Assim sempre me lembraria de toda essa história.
A tatuagem seguinte complementou a primeira. Ela foi feita pela Sara Menegusse em 2023. Foram mais 10h sentado levando agulhadas. Mas isso foi muito mais fácil que os três meses dentro do hospital. Além disso, o resultado foi muito mais satisfatório. Eu pedi mais olhos, utilizando um padrão de imagem muito famoso elaborado pelo artista Alex Grey. Esse padrão ressalta a ideia de transcendência que o conjunto das duas tatuagens evoca. Ao meio, no centro, uma Hamsá, também conhecida como palma de fátima, um elemento que mistura traços das fés islâmica e judáica em contraposição aos elementos budistas. No topo, uma mandala. Em torno, um padrão baseado no nó infinito, que traz a ideia de sabedoria infinita na tradição budista, mas também é uma imagem utilizada pelos celtas. Acho que eu só queria me lembrar de ser mais sábio, e nunca passar pelas mesmas situações que me levaram ao hospital.

A parte de cima do braço foi a última a ser feita, também pela Sara, e reconecta todas as experiências expressas nas outras tatuagens. Em primeiro lugar, porque sempre carreguei, desde a adolescência, um certo culto e adoração às figuras que escolhi tatuar. Em segundo, porque elas se aproximam muito da experiência que vivi. Algum tempo atrás, escrevi nesse blog sobre a figura de Thich Quang Duc. Trata-se de um monge vietinamita que protestou contra o governo local e a política imperialista dos EUA cometendo uma autoimolação que entrou para a história. A foto do ato foi utilizada na capa da banda Rage Against The Machine, em seu primeiro álbum de estúdio. Eu ouço essa banda desde os 13 anos de idade, então essa imagem deve ter ficado marcada em minha mente. O fato é que o suicídio do monge é algo completamente diferenciado. Ao dirigir a si a violência de seu ato ele atinge justamente os inimigos a quem clamava compaixão. Sua batalha era contra a perseguição do governo aos budistas, que se intensificou brevemente após o ato, mas acabou diminuindo no longo prazo, após a deposição do presidente vietinamita então apoiado pelos EUA. Falar sobre compaixão nos leva então à figura de Kwan Yin, simbolizada ao lado de Thich Quang Duc. Ela é a deusa da compaixão nas tradições budista e taoista. Também é aquela que primeiro recebe os mortos no além. Thich clamava por compaixão, e as duas figuras me lembram que devo ser mais compassivo comigo e com o mundo. Na parte inferior da tatuagem pedi uma flor de lótus, que foi feita utilizando pontilhismo. A flor de lótus simboliza a vida, em contraposição à minha quase morte. Ao topo, mais uma mandala, e no contorno novamente padrões do nó infinito.
Esse é um resumo sintético do que minhas tatuagens significam para mim. Mais do que um recurso expressivo, elas agem como memória viva e ressignificação de minhas experiências passadas. E você, também tem alguma história especial relacionada às suas tatuagens? Conte nos comentários.