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Uma distopia sobre nosso tempo



Lies of P é mais que somente um jogo sobre as mentiras de Pinóquio. É uma daquelas obras que fazem refletir sobre o estatuto concedido aos jogos eletrônicos. Embora considerados apenas uma distração por muitos, a verdade é que alguns jogos alcançam a alcunha de arte. E Lies of P é sobre a arte de contar histórias. Ainda que se trate de um soulslike, Lies of P melhora algumas mecânicas, sobretudo o modo como a história é contada, quando comparado com os clássicos de Dark Souls. Há diversas cenas, diálogos, descrições de itens e ações que ajudam a compreender a trama. E a história narrada é uma distopia que se configura como uma caricatura de nosso tempo. Se na versão de Pinóquio da Disney encontramos uma história infantil, aqui nos deparamos com uma versão bem mais sombria, inspirada diretamente na história original escrita por Carlos Collodi.


Logo no início do jogo o personagem principal, uma marionete que consiste em um robô humanoide, acorda dentro de um trem em uma estação abandonada em meio a um grande apocalipse civilizatório, e deve buscar refúgio em um local chamado Hotel Krat, onde alguns sobreviventes conseguiram se proteger. Até lá, deve enfrentar uma horda de outros robôs marionetes, que aparentemente estão descontrolados e foram justamente a causa da catástrofe que assolou a cidade de Krat. As marionetes eram a última grande descoberta tecnológica, que elevaria o conforto e a produtividade da humanidade, e conviviam pacificamente com toda a sociedade até o dia em que perderam o controle e passaram a matar humanos.


Ao chegar ao Hotel Krat o personagem recebe novas missões: deve resgatar seu criador, Gepeto, e eliminar a fonte que ordena todas as marionetes, o Rei dos Títeres. Para isso, ele precisa se utilizar de toda sorte de artimanhas, de mentiras a assassinatos, e cada ação o torna cada vez mais humano, tanto as boas quanto as ruins. Dessa forma, Lies of P não apresenta uma romantização do comportamento humano, mas uma versão ambígua e sombria de nossos comportamentos e emoções. Para resgatar Gepeto, por exemplo, é preciso eliminar um humano que o persegue. E o sangue quente derramado nas mãos do personagem o trazem um pouco desse senso de humanidade.


Após derrotar o Rei dos Títeres novas missões são impostas ao personagem. Ele deve então perseguir os alquimistas em busca da cura para a doença da petrificação, que está assolando a cidade, causando cegueira, e transformando os moradores restantes em zumbis. Seguindo essa trilha, descobre-se que na verdade os alquimistas estão usando a fonte de energia das marionetes, o chamado Ergo, como uma maneira de estender a vida humana na busca pela imortalidade. E o jogo continua seu enredo até o confronto final, como qualquer outro jogo eletrônico.


Contudo, é justamente na contraposição entre as marionetes e os alquimistas que temos uma discussão bastante interessante em Lies of P: o confronto entre mortalidade e imortalidade. Enquanto algumas marionetes desejam conhecer as emoções e tornarem-se humanos, alguns humanos querem deixar sua humanidade para trás na tentativa de tornarem-se deuses (imortais). São dilemas tão antigos quanto a humanidade, e que já estavam presentes em antigas histórias e mitos. No entanto, nosso momento atual materializa e torna reais os dilemas discutidos.


Por quê escrever sobre um jogo em um site de Psicologia? Simplesmente porque Lies of P parece resumir uma série de distopias que estamos vivenciando neste exato momento. A interação entre os humanos e a tecnologia já nos levou a um ponto em que é possível simular a imortalidade. Uma série de algoritmos são capazes de recriar aparência e comportamento de pessoas vivas ou mortas, transformando-as em versões digitais de si. A arte mais uma vez nos apresenta uma caricatura da realidade.


Na notícia abaixo, o G1 debate os dilemas éticos surgidos a partir da recriação da cantora Elis Regina para uma propaganda de automóvel. Um dos paradoxos é que a cantora atuou junto ao sindicato dos empregados em um movimento contra a empresa para a qual sua dublê realiza a propaganda.



Já nessa segunda notícia temos um debate sobre o uso de chatbots para trazer pessoas de volta à vida. Através do uso de mensagens de SMS, email e aplicativos como WhatsApp é possível recriar o comportamento verbal de uma pessoa com incrível precisão, trazendo a sensação de uma conversa normal, mesmo com aqueles que já se foram.



Então, por um lado, a tecnologia dos algoritmos tenta preencher o desejo pela continuidade da vida e, por outro, a medicina e a biotecnologia parecem ocupar uma posição similar à desejada pelos alquimistas de Lies of P, tentando a todo custo estender a duração de nosso corpo físico. Seja pela tentativa de manter viva nossa alma ou nosso corpo, a verdade é que vivemos tempos estranhos. Pessoas se tornando máquinas e máquinas se tornando pessoas. E quais serão as consequências psicológicas desses movimentos? Apenas o tempo poderá dizer...

 
 
 

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